Memorial Chapadão do Zagaia

Memorial Chapadão do Zagaia

Rodrigo Garcia

No ensaio “Memorial Chapadão do Zagaia”, proponho uma investigação visual sobre um povoado em processo de esquecimento. Terra do ator Lima Duarte, o arraial de Desemboque, distrito da cidade de Sacramento, em Minas Gerais, possui grande importância histórica por ter sido o primeiro povoado da região e ponto de partida para a colonização do então “Sertão da Farinha Podre”, hoje conhecido como as regiões do Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba. A exploração dessa região teve início na primeira década do século XVIII, justamente com a descoberta do ouro goiano. Naquele tempo a famosa “Picada de Goiás” era muito utilizada para escoar o ouro mineiro como se fosse goiano e assim fugir do alto imposto do estado. Próximo ao rio das Velhas, hoje rio Araguari, surgiu o povoado do Desemboque, que servia como um entreposto comercial.  Seguindo pela famosa “picada”, pouco antes de se chegar ao arraial, havia uma famosa hospedaria conhecida como “Rancho do Zagaia” que foi palco da mais famosa lenda do Parque Nacional da Serra da Canastra, localizada num chapadão de mesmo nome, e que, nessa ocasião, também empresta o nome a este ensaio.

Em seu livro “O Triângulo Mineiro de Outrora”, o historiador Hidelbrando Pontes registrou essa história, que ocorreu por volta de 1777. O “Rancho do Zagaia” ficava no trajeto de quem ia ou vinha do arraial, dando pousada e descanso aos viajantes carregados de mercadorias, gado ou dinheiro. Na calada da noite, ao ouvir o barulho daqueles que se deitavam nos colchões de palha, os donos do local acionavam uma armadilha que caía sobre os viajantes matando-os, depois espoliavam as vítimas e jogavam os cadáveres numa grande voçoroca escondida na fazenda. Rapidamente conquistaram muitos bens e ficaram conhecidos como “Os Ladrões do Chapadão do Zagaia”.

Muitos livros de história contam que nesse tempo o arraial do Desemboque era considerado o povoado mais próspero da região, contando com guardas, alfândega, juiz e todas as formas oficiais de controle da extração do ouro, do trânsito nas estradas e da ordem social e que no seu auge, chegou a ter mais de dois mil habitantes. Hoje, porém, restam as duas igrejas do século XVIII, um casarão colonial e apenas 27 moradores. O Desemboque é um lugar de muitas histórias, de um povo simples e cheio de tradições que, apesar do seu rico passado histórico, caminha para tornar-se uma cidade-fantasma.

Memorial do Chapadão do Zagaia é antes de tudo uma história para conversar com o nosso imaginário, nossas raízes e sensibilidade. Algo que se contaria tomando um café fresco, em tom de causo que transborda a verdade que só um bom causo tem. As imagens da exposição trazem um povo que se parece com nossos tios, avós, gente como a gente. Evocam memórias e aquecem o coração de quem tem ou gostaria de ter uma ligação com a terra e a vida simples. É o recorte de um povoado que foi berço e hoje é ninho vazio. É sobre a passagem do tempo, das pessoas, da vida. Uma ode ao que é mais puro e mais bonito no Brasil: sua gente, seus costumes, sua marcas, seu suor. O olhar sensível do fotógrafo nos aproxima tanto do momento que quase posso respirar a poeira, ouvir o som dos carros de bois, sentir o sol quente na pele… Dá vontade de prosear com as pessoas dos retratos vendo o tempo se mover mais devagar. Memorial do Chapadão do Zagaia é sobre isso: um convite a contemplar e refletir sobre o processo histórico desse lugar, mas também semeia em nós o desejo de não ser somente expectadores, de pisar naquele chão, de ter ou reavivar em nós um pouco daquela gente que é tão Minas Gerais, é tão Brasil.

Cleide Azevedo, bibliotecária