Entre a fenda e o abismo
Bárbara Schall
Enquanto penso nos milhares de rastros que foram borrados, aqueles que carregam memórias e são amantes das estrelas, sopra aos meus ouvidos – me lembrando que o processo de escavar, como o idioma pedra, é doloroso e por vezes violento, imprevisível – uma constatação feita por Didi-Huberman: “’Isto é inimaginável.’ Foi o que eu disse, claro, como todo mundo. Mas, se devo continuar a escrever, ajustar o foco, fotografar, montar minhas imagens e pensar isso tudo, é precisamente para tornar uma frase desse tipo incompleta. Cumpriria dizer: ‘Isto é imaginável, logo devo imaginá-lo antes de tudo.’” Imaginação é também uma forma, bastante eficaz, de resistência. É talvez, a melhor maneira de se resistir à barbárie.
É preciso andar certo tempo, ter paciência de deixar a lentidão da emergência e do desaparecimento crescer em você.
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Duas séries de fotografias realizadas em dois territórios que a princípio diferenciam-se radicalmente em suas características físicas e geográficas mas que estabelecem diálogo quando experimentados do ponto de vista do encontro. O encontro, entre seres humanos e não-humanos, entre a matéria e a memória, entre a presença e a ausência.
A primeira série de fotografias foi realizada na região de Quilágua, no norte do Chile. A região é conhecida por ser o território mais seco do mundo, e se localiza no deserto de Atacama. Situado nos Caminhos Incas, foi um importante centro produtivo, mas, a construção da Represa Sloman, para a produção de salitre “María Elena y Vergara”, assim, como a progressiva contaminação das águas a raiz das faenas mineiras, tem provocado o progressivo despovoamento do local e inúmeras transformações decorentes da atividade extrativista.
A segunda série foi realizada no município de Diamantina, na região do Jequitinhonha, na Serra do Espinhaço, formação rochosa mais antiga do Brasil. Foi a maior lavra de diamantes do mundo ocidental no Século XVIII estabelecendo uma ‘rota do diamante’. A região passou por inúmeras transformações decorrentes da atividade extrativista e de sua ocupação a partir da invasão portuguesa.