A Festa Da Lapinha

Os encontros da comunidade na Lapinha têm origem nos anos da década de 1940, sempre no dia 24 de maio, organizados pelos senhores Joviano e Faustino. A partir desses encontros, surgiu entre os membros do grupo de orações a ideia de organizar uma festa. A primeira Festa da Lapinha foi em 1983 com a chegada da energia elétrica à comunidade. Nesses primeiros anos de festa, antes de subirem para a Lapinha, a comunidade se encontrava na casa do festeiro, onde eram recebidos com quitandas, doces ou jantares. Dali, seguiam para a caverna em procissão com a bandeira do Senhor Bom Jesus a frente. Após a reza do terço, desciam para a praça soltando foguetes erguendo a bandeira em um barranco na praça com mastro de taquara. A caixa de som embalava o forró daqueles que permaneciam na praça, dando início a parte social, ou profana, da Festa da Lapinha.

Em 1996 é construída a Igreja Nossa Senhora de Lourdes em Bagres.  A partir deste ano a Festa da Lapinha iniciou sua versão “estendida”. Foi introduzida a novena, procissão com a imagem de Nossa Senhora, coroação de Nossa Senhora, missa solene e a parte social da festa foi engrandecida com bandas e duplas sertanejas. Essa introdução de novos elementos é o que configura atualmente a Festa da Lapinha como “cultural, folclórica e social”. É tida como cultural devido a tradição popular do catolicismo em devoção ao Senhor Bom Jesus da Lapa; é folclórica pela existência dos mitos e por ser introduzido a cada ano apresentações de teatro e danças durante as novenas e no sábado de festa; e é social por ter os shows com bandas, som mecânico, barracas, cavalgadas e churrasco comunitário.

A novena é uma sequência de orações e práticas litúrgicas realizadas na comunidade durante nove dias em preparação para o sábado de Festa da Lapinha, e em cada dia a comunidade Bagres recebe uma ou duas comunidades rurais do município para a reza do terço na capela. Após a reza são feitos bingos, sorteios e leilões de cestas, frangos, leitão, bezerros, etc., em arrecadação para a igreja e para a festa. No salão comunitário acontece o baile, em que a música predominante é o forró. 

Durante a novena começam a chegar os “barraqueiros” à comunidade Bagres, atraídos pela grande movimentação da festa, vindos de cidades vizinhas e do estado de São Paulo vendendo produtos variados como: sapatos, bolsas, roupas, utensílios domésticos, bijuterias, bebidas e comidas. Os comerciantes locais aproveitam o movimento para servir almoço em suas casas e receber hóspedes, os que possuem bares vendem bebidas alcoólicas e algum tipo de “tira-gosto”, outros montam estruturas de tábuas e bambus (barraquinhas) para vender pastel frito, salgados, churrasquinho, pão com carne cozida, caldos e bebidas.

Na sexta-feira, último dia de novena, a Santa e a Bandeira são levadas em procissão da igreja para casa do festeiro, ou mordomo. No dia seguinte, a família festeira oferece jantares ou lanches aos que chegam para buscar as imagens. O festeiro também é o responsável por organizar a festa, auxiliar na procura de patrocinadores e doações, além de promover eventos para levantar fundos, organizar o churrasco, comprar os enfeites e foguetes, contratar as bandas de música e a estrutura de palco com luzes e som. Da casa do festeiro, seguem em procissão com a imagem e a bandeira pelas estradas da comunidade.

Segundo os entrevistados, por muitos anos a imagem e a bandeira iam até a Lapinha onde era realizada a celebração da missa, de lá desciam de volta para a praça, local onde era feita a coroação e o hasteamento do mastro. Em outros anos, a bandeira e imagem eram levadas somente até a praça, onde a coroação e a missa eram celebradas. Por vezes, a imagem de Nossa Senhora de Lourdes saía da escola em direção ao palanque ou à capela para a coroação. 

O hasteamento da bandeira é realizado sempre no adro da igreja em mastro enfeitado com fitas coloridas e flores de palha, seguido com o show pirotécnico encerra a parte religiosa da Festa da Lapinha e dá início às apresentações das bandas de forró e som mecânico.

“A soma de valores religiosos e morais que funda uma cultura se apoia geralmente sobre um discurso e, nas sociedades tradicionais, sobre um corpus de mitos e de tradições, que por sua vez, explica a organização simbólica dos rituais. É muitas vezes pelo rito que uma sociedade exprime seus valores profundos e revela sua organização social”
(ROSENDAHL, 2002, p.102).

Permanecer com o som ligado, bares abertos, consumo alcoólico e jogos durante as celebrações religiosas, são tomados como desrespeito a tradição. O conflito sagrado e profano no espaço da praça se torna então tenso. No entanto, juntamente com Rosendahl (2018), acredita-se que a prática religiosa acompanha os processos de mudança e os grupos, no desejo de repensar a religião e sua religiosidade, criam estratégias flexíveis, transformando a festa religiosa do que de fato a excluindo da organização atual da Festa da Lapinha. 

A festa religiosa representa a reatualização do tempo hierofânico. A partir das observações e entrevistas, esta repetição é pautada no respeito às tradições, à memória dos mais velhos e ao sentimento de união e alegria comunitária. Não se sabe o motivo da escolha do dia 24 de maio para ir rezar na Lapinha e o ano de início desta tradição, que se originou com os senhores Joviano e Faustino. O fato é que a comunidade não abre mão de dar continuidade aos encontros no dia 24 de maio, mesmo diante dos conflitos sagrados e profanos durante a festa e com a considerável queda no número de rezadores.

"Toda festa religiosa, todo Tempo Litúrgico, representa a reatualização de um evento sagrado que teve lugar num passado mítico”
(ELIADE, 1992. p.38)

Mas então, por que rezar dentro da caverna? Seguimos nossa experiência até a Lapinha. Na próxima parada em nossa visita, iremos conhecer sua feição física e te convido a vivenciar (mesmo que virtualmente) a experiência sagrada da Lapinha.