A comunidade bagres

A comunidade rural Bagres, tem suas origens ligada ao córrego Brasileirinho, conhecido como córrego Bagres, cujas terras são mais férteis para a lavoura. O sustento é tirado direto do terreno em produção de subsidência e agricultura familiar, onde se planta um pouco de tudo. Criam porcos e galinhas e os proprietários que possuem gado tiram o leite e produzem queijo minas artesanal: “Queijo do Serro”, declarado Patrimônio Imaterial Mineiro em 2002 (IEPHA-MG) e Patrimônio Cultural do Brasil em 2008 (IPHAN). Das plantações de cana, destinadas para alimentar o gado, também se produz cachaça e rapadura. Nas casas, são produzidas uma variedade de doces, pães e biscoitos, que também são vendidos entre os moradores por meio de encomendas. Os jovens da comunidade trabalham como diaristas nas roças, consertando cercas, capinas, tirando feixes de lenha e nas colheitas de milho, cana e mandioca. 

Após a reza na Lapinha, no dia 12 de outubro de 2019, pessoas da comunidade desenharam o Mapa Mental de Bagres, nos apresentando o seu território, seus lugares e caminhos. Nossa experiência na comunidade começa a partir deste mapa visitando os pontos em destaque, conhecendo as pessoas e ouvindo suas histórias e estórias.

Elementos Do Mapa

Mapa Mental: O Mapa mental, “revela a ideia que as pessoas têm do mundo e assim vão além da percepção individual refletindo uma construção social”, é mais que representar linhas e pontos, trajetos e partes do espaço, ele elabora um enunciado com códigos próprios sobre uma determinada ideia do espaço vivido (KOZEL, 2007, p.17). Interpretá-los é um processo delicado da pesquisa, de caráter subjetivo. Portanto, tomou-se a “Metodologia Kozel” (KOZEL, 2018), juntamente com as informações das entrevistas e da observação participante para a análise. 

O Diagrama de Venn foi outra ferramenta participativa que permitiu conhecer as relações entre os espaços e grupos da comunidade a partir da Lapinha como o “centro do mundo”.

O Mercado

Até então o único mercado da comunidade, e o mais próximo de outras comunidades do entorno, pertence ao senhor Salvador e sua esposa Elisângela. A mercearia existe desde 1996 e possui de tudo um pouco, é o local onde se compra o alimento e por isso, foi apresentado durante as entrevistas e metodologia do mapa mental como lugar sagrado.

A Fábrica De Rapadura

Segundo informações da prefeitura, a fábrica de rapadura foi construída em 1997 com recursos do PRONAF – Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar, no entanto, não funcionou por muito tempo. Diferentes motivos foram apresentados, entre eles a queda na produção da cana-de-açúcar no território e a dificuldade de inserção do produto no mercado. Mesmo por um curto período, a fábrica de rapadura fez parte da história da comunidade e sua estrutura faz parte da paisagem. Hoje o local serve de estacionamento nos dias da Festa da Lapinha em Bagres.

O Salão

Em 1998, foi construído o salão comunitário com esforço e dedicação da comunidade e com a ajuda da prefeitura. Segundo os entrevistados, foram organizados campeonatos de bola, sinuca, truco e barraquinhas com comida e bebida para a arrecadação de recursos para sua construção. Durante o ano o salão é usado para diversos eventos e em arrecadação de recursos para a Festa da Lapinha e igreja.

A praça

A praça Martinópolis recebeu este nome em referência a família Martins. Ela é o centro da comunidade, considerada como espaço sagrado por ser o ponto de encontro para subida até a Lapinha e onde ocorrem as manifestações religiosas da Festa da Lapinha. É onde também se localizam os bares, as partidas de truco e o forrozinho animado nos finais de semana e nos dias de festa. 

Em 1979, a comunidade recebeu a construção da Escola Municipal de Bagres, inaugurada pelo prefeito José Januário Duarte. A energia elétrica só chegou até a comunidade por meio de convênio com a CEMIG em 1983, realizada no primeiro mandato do prefeito Geraldo da Conceição Ribeiro e do vereador Valdete Jeronimo Gonçalves (1983-1988), marco registrado com a construção do obelisco no centro da praça. Neste período também foram feitas obras de alargamento da praça e abertura da trilha de acesso até a Lapinha.

A Capela

A construção da capela, em 1996, é considerada um marco para a comunidade Bagres. Antes as missas eram realizadas dentro da pequena sala de aula da escola nos últimos domingo do mês. O dinheiro para a construção da capela foi arrecadado a partir de eventos como campeonatos, bailes, leilões, rifas e doações. A ação é considerada um marco, pois envolveu toda a comunidade reforçando sua identidade, os laços de amizade, união e orgulho.

“Fiz uma rifa a mão, de um frango assado e um litro de vinho, foi até o senhor Oseías aqui do Baú que ganhou esse frango e esse vinho. Aí nós já fomos começando, por essa rifa. Aí fizemos mutirão, foi uma coisa mais importante que eu vi na minha vida na comunidade, o primeiro dia de mutirão, no dia de carreiro, puxando areia pra lá, parecendo festa, você só via carro de boi cantando. Porque eu não tenho uma lembrança (foto) disso?!” (Gilda, educadora aposentada).

A comunidade ganha a imagem de Nossa Senhora de Lourdes, escolhida exatamente pela relação da comunidade Bagres com a Lapinha, que foi colocada em um oratório em forma de gruta, construído com pedras em frente à capela no caminho para a Lapinha.

“Eles ergueram no topo do monte, porque ali é um monte que vai subindo. Ergueram uma grutinha para indicar que lá em cima está a gruta” (Humberto, ex-prefeito e festeiro, outubro de 2020).

O Cruzeiro

O morro com uma cruz, na beira da estrada é o local onde a comunidade se reúne para a Festa do Cruzeiro, tradicionalmente no dia 3 de maio. A festa é organizada pelo festeiro sorteado na festa anterior, responsável por arrecadar doações para os enfeites e preparar o lanche – uma mesa repleta de quitandas da roça, café, sucos e frutas. Após a reza dedicada a simbologia cristã de entrega, sacrifício e salvação, acontece a confraternização com o lanche e com o forró, embalado por violão e sanfona. Trata-se de uma festa menor em relação à Festa da Lapinha, reunindo famílias e amigos de outras comunidades próximas, como conta o Sr. Tião (outubro de 2019): “Reza o terço, depois tem um café com bolo, rosquinha e tem vez que até dançam forró depois. A organização é do povo de Bagres, mas vem gente de fora, comunidades vizinhas”. 

Caixa D'água

O único rio representado foi o córrego Brasileirinho, conhecido na comunidade como Córrego Bagres. Outros cursos d’água presentes no território não foram representados, tais cursos superficiais permanecem “secos” durante boa parte do ano. A falta de água foi um problema por muitos anos na comunidade, porém, minimizado com a perfuração de um poço artesiano pela prefeitura e a doação da canalização que leva água da nascente até a “caixa”, desenhada no mapa mental. 

Tereza e seu filho Luciano, nos contam como faziam na falta d’água:

“Aquela água vem lá do cafundó do judas e cai lá naquela caixa. Daquela caixa que ela desce, pra distribuir pra nós. Buscava água lá na Água Limpa para beber, e numa hora dessa estava todo mundo indo pro rio, lavando vasilha no rio. Só que a água do rio não é limpa porque ela vem dessas casas aí pra cima, aí pra beber e cozinhar não dá. Aí buscava lá na Água Limpa ou Mutuca, que lá tem poço artesiano, aí buscava pra beber e comer, e pra lavar vasilhas ia no rio. Agora graças a Deus, até agora ela não secou não”.(Tereza, outubro de 2020).

Localidades Em Bagres

Além das localidades apresentadas no Mapa Mental (e.g.: Praça, Carambola, Cruzeiro, Baú, Lopes e Pedreira), o território de Bagres ainda possui as localidades: Paiol de Baixo, Paina e Palha de Cana. Não foi possível, nesta pesquisa, identificar os limites do território da comunidade Bagres, mas a carta imagem elaborada com a ajuda do mapa mental e das indicações do Ser. Valdete (ex-vereador da comunidade) apresenta as edificações das localidades identificadas por pontos de diferentes cores. Estas localidades se referem a grupos familiares que constroem suas casas próximas umas das outras, antigas fazendas loteadas entre os filhos.

baú

Baú

Na localidade do Baú em Bagres vivia o Senhor José Jorge Gonçalves, conhecido como Zé dos Santos, apelido atribuído por suas fortes orações, principalmente em momentos de   agonia, e por ter o conhecimento medicinal de plantas e raízes. Marcando as memórias da Sras. Tereza e Gilda elas descrevem cenas do Sr. Zé dos Santos.

Ele que punha vela na mão dos outros pra morrer. Eu lembro que eu era pequenininha assim, tinha um homem lá na Mutuca, que morria e vivia de novo, morria e vivia. Aí ele pegava a vela, e ia por cima do homem e ficava assim: “morre, morre de uma vez, esquece desse mundo e lembra do outro, por que você está indo e voltando? Você guardou o que aqui ainda, vai embora!” E menino é muito besta, né? Nós ficávamos tudo assim de olhão arregalado, olhando e com medo. E o homem ficou assim morrendo, morrendo, aí quando foi de madrugada ele morreu de vera (Tereza, produtora rural aposentada)

Ele ia lá rezar o terço, às 15 horas da tarde, o Zé dos Santo. E eu ia com ele. E lá ele me colocava lá na frente. E eu toda empolgada lá. Aprendi a rezar o terço lá na Lapinha, com esse senhor, o Zé do Santos. Depois que rezava o terço, aí reunia todo mundo lá do lado de fora. (Gilda, educadora aposentada).

Outra característica do Zé dos Santos, era tocar caixa nos eventos de Folia, Caboclo e nos Bailes. A caixa que também pertenceu a parentes mais antigos, possui mais de cem anos e está em sua antiga casa na localidade Baú aos cuidados de sua filha, Maria Aparecida Gonçalves.

Na Folia, as pessoas iam de casa em casa a pé, cantando e dançando ao som da viola, sanfona e da caixa, atrás da bandeira com a imagem do Divino. Havia música da chegada e a música da despedida e, assim, visitavam todas as famílias da comunidade. Em troca de uma “esmola”, que servia de arrecadação para a igreja, a pessoa ganhava um verso ou rima feita na hora pelos cantantes.

Dançar “Caboclo”, festividade da comunidade que se perdeu com o tempo, são os homens vestidos de mulher e as mulheres vestidas de homem. Cantavam e dançavam ao som da viola, da sanfona e da caixa, juntando as pessoas, iam também de casa em casa na comunidade.

Os “Bailes” ou “Noite dançante”, aconteciam em datas próximas ao fim do ano. Cada dia da semana uma família convidava para ir à casa dançar ao som da sanfona, violão e pandeiro. Nas palavras de Maria José dos Anjos (outubro, 2020): “era um tempo que a gente passava dificuldade, mas trabalhava de dia e dançava de noite”. O terreiro era iluminado com lamparinas fincadas em pedaços de pau, que, quando começava a apagar, era reposto o querosene. “Nesta época, não se usava sapatos, dançavam de pé no chão” (Zé de Ricardo, outubro, 2020).